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Rodrigo Zanatta

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A fé, a verdade e o real

17 de julho de 2018 por Rodrigo Zanatta Deixe um comentário

Κατὰ τοῦτον ἡμεῖς γενέσθαι τὸν ὑπέρφωτον εὐχόμεθα γνόφον
καὶ δι’ ἀβλεψίας καὶ ἀγνωσίας ἰδεῖν καὶ γνῶναι τὸν ὑπὲρ
θέαν καὶ γνῶσιν αὐτῷ τῷ μὴ ἰδεῖν μηδὲ γνῶναι

Dionísio, o Areopagita,
circa V C.E., in. Teologia Mística, par. II

A verdade é algo que se diz. Que seja dita, pressupõe não só quem a diz, a quem ela é dita, mas também aquilo sobre o que algo é dito. Que a verdade seja uma pessoa interroga o que diz essa pessoa e o que quem me diz sobre tal pessoa. Portanto, mais uma vez, a verdade pressupõe o dito.

O dizer pressupõe a linguagem. A linguagem é feita de duas coisas: seus elementos constituintes mínimos, e as regras que os articulam. O dizer, portanto a articulação dos elementos constituintes da linguagem – a saber, o significantes – segundo suas regras, não implica necessariamente em verdade, mas em sentido. Sentido não é sinônimo de verdade. O sentido se vende ao quilo, ou ainda ao quilobyte. “Vaidade das vaidades”, já se disse. A verdade é gratuita, toca o real, agulha no palheiro do sentido.

O real é o impossível de dizer. O que não quer dizer que não se diga algo sobre o real. Quer dizer simplesmente que jamais se diz o real. E justamente por isso, o blá blá blá prossegue. É que ao dizer algo sobre o real, o real se esvanece no dito, permanecendo em si como tal.

A fé é crer no dito, e não no real. Se o dito pretende ser a verdade sobre o real, a fé não quer dizer crer no real, mas crer no dito sobre o real. A experiência direta do real é impossível. Esta é sempre mediada ou pela linguagem, ou pelas debilidade mental (isto é, pelo imaginário). Da primeira experiência deriva a episteme, isto é, a ciência. Do segundo caso deriva a religião.

Religião não é fé. Estar em sintonia com a grande mãe terra em um ritual para invocar os poderes fecundadores da terra não é fé e não pressupõe fé, pois não pressupõe o dito. Pressupõe uma experiência afetiva, eventualmente uma identificação, uma confusão com o real.

No entanto nem sempre o dizer é um dizer sobre o real. O objeto do dizer pode ser o próprio dizer. Por isso o cristianismo, o judaísmo e o islamismo não são propriamente religiões, mas fé, ainda que se queira muito conservar a beleza da pérola. Quem crê, crê no que foi dito sobre o que foi dito – além disso não há dizer, pois Deus é ateu – ou seja: não há Outro do Outro, não existe metalinguagem.

E também não é ciência, pois esta é dizer sobre o real apenas nos limites do possível. Posso ter fé no dizer da física sem verificá-lo, podendo porém verificá-lo. Posso também ter fé no dizer de Paulo, mas não posso verificá-lo, ao menos não se não for da vontade d´Aquele que diz o que Paulo diz que Ele disse. Ainda que a mística pretenda ser um dizer sobre o real, ela só o faz nos limites do impossível, por isso o silêncio em que sempre termina.

O real, exceto nas verdadeiras religiões, não é “o sagrado”. Se este é o real, então a ciência e a religião se conjugam em simetria, como frequentemente ocorre entre certas intuições do hinduísmo e a física ocidental, por exemplo. O lado simbólico e o lado imaginário da mesma moeda. Na fé, Deus é ex-machina, e não a “coisa em si”. Esta é a maquina, mas não exatamente…

A verdade, portanto, é para a ciência bem-dizer o real. Para a religião não está em questão a verdade pois ela não se fundamenta no dizer. Já para a fé, a verdade é bem-dizer a palavra.

Não raro a “filosofia profissional”, os livros e as universidades só atrapalham, pois embolam tudo em uma miríade de conceitos infinitos e reinvenções da roda que tornam o campo um pântano. Nesse pântano, um se perde e atola muito facilmente.

Ler demais emburrece.

A burrice é acreditar que as palavras são as coisas.

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