Κατὰ τοῦτον ἡμεῖς γενέσθαι τὸν ὑπέρφωτον εὐχόμεθα γνόφον
καὶ δι’ ἀβλεψίας καὶ ἀγνωσίας ἰδεῖν καὶ γνῶναι τὸν ὑπὲρ
θέαν καὶ γνῶσιν αὐτῷ τῷ μὴ ἰδεῖν μηδὲ γνῶναι
Dionísio, o Areopagita,
circa V C.E., in. Teologia Mística, par. II
A verdade é algo que se diz. Que seja dita, pressupõe não só quem a diz, a quem ela é dita, mas também aquilo sobre o que algo é dito. Que a verdade seja uma pessoa interroga o que diz essa pessoa e o que quem me diz sobre tal pessoa. Portanto, mais uma vez, a verdade pressupõe o dito.
O dizer pressupõe a linguagem. A linguagem é feita de duas coisas: seus elementos constituintes mínimos, e as regras que os articulam. O dizer, portanto a articulação dos elementos constituintes da linguagem – a saber, o significantes – segundo suas regras, não implica necessariamente em verdade, mas em sentido. Sentido não é sinônimo de verdade. O sentido se vende ao quilo, ou ainda ao quilobyte. “Vaidade das vaidades”, já se disse. A verdade é gratuita, toca o real, agulha no palheiro do sentido.
O real é o impossível de dizer. O que não quer dizer que não se diga algo sobre o real. Quer dizer simplesmente que jamais se diz o real. E justamente por isso, o blá blá blá prossegue. É que ao dizer algo sobre o real, o real se esvanece no dito, permanecendo em si como tal.
A fé é crer no dito, e não no real. Se o dito pretende ser a verdade sobre o real, a fé não quer dizer crer no real, mas crer no dito sobre o real. A experiência direta do real é impossível. Esta é sempre mediada ou pela linguagem, ou pelas debilidade mental (isto é, pelo imaginário). Da primeira experiência deriva a episteme, isto é, a ciência. Do segundo caso deriva a religião.
Religião não é fé. Estar em sintonia com a grande mãe terra em um ritual para invocar os poderes fecundadores da terra não é fé e não pressupõe fé, pois não pressupõe o dito. Pressupõe uma experiência afetiva, eventualmente uma identificação, uma confusão com o real.
No entanto nem sempre o dizer é um dizer sobre o real. O objeto do dizer pode ser o próprio dizer. Por isso o cristianismo, o judaísmo e o islamismo não são propriamente religiões, mas fé, ainda que se queira muito conservar a beleza da pérola. Quem crê, crê no que foi dito sobre o que foi dito – além disso não há dizer, pois Deus é ateu – ou seja: não há Outro do Outro, não existe metalinguagem.
E também não é ciência, pois esta é dizer sobre o real apenas nos limites do possível. Posso ter fé no dizer da física sem verificá-lo, podendo porém verificá-lo. Posso também ter fé no dizer de Paulo, mas não posso verificá-lo, ao menos não se não for da vontade d´Aquele que diz o que Paulo diz que Ele disse. Ainda que a mística pretenda ser um dizer sobre o real, ela só o faz nos limites do impossível, por isso o silêncio em que sempre termina.
O real, exceto nas verdadeiras religiões, não é “o sagrado”. Se este é o real, então a ciência e a religião se conjugam em simetria, como frequentemente ocorre entre certas intuições do hinduísmo e a física ocidental, por exemplo. O lado simbólico e o lado imaginário da mesma moeda. Na fé, Deus é ex-machina, e não a “coisa em si”. Esta é a maquina, mas não exatamente…
A verdade, portanto, é para a ciência bem-dizer o real. Para a religião não está em questão a verdade pois ela não se fundamenta no dizer. Já para a fé, a verdade é bem-dizer a palavra.
Não raro a “filosofia profissional”, os livros e as universidades só atrapalham, pois embolam tudo em uma miríade de conceitos infinitos e reinvenções da roda que tornam o campo um pântano. Nesse pântano, um se perde e atola muito facilmente.
Ler demais emburrece.
A burrice é acreditar que as palavras são as coisas.
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